sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Texto para leitura

PAUSA
(Mário Quintana) 


   Quando pouso os óculos sobre a mesa para uma pausa na leitura de coisas feitas, ou na feitura de minhas próprias coisas, surpreendo-me a indagar com que se parecem os óculos sobre a mesa.
   Com algum inseto de grandes olhos e negras e longas pernas ou antenas?
   Com algum ciclista tombado?
   Não, nada disso me contenta ainda. Com que se parecem mesmo?
   E sinto que, enquanto eu não puder captar a sua implícita imagem-poema, a inquietação perdurará.
   E, enquanto o meu Sancho Pança, cheio de si e de senso comum, declara ao meu Dom Quixote que uns óculos sobre a mesa, além de parecerem apenas uns óculos sobre a mesa, são, de fato, um par de óculos sobre a mesa, fico a pensar qual dos dois – Dom Quixote ou Sancho? – vive uma vida mais intensa e, portanto mais verdadeira…
   E paira no ar o eterno mistério dessa necessidade da recriação das coisas em imagens, para terem mais vida, e da vida em poesia, para ser mais vivida.
   Esse enigma, eu o passo a ti, pobre leitor.
   E agora?
   Por enquanto, ante a atual insolubilidade da coisa, só me resta citar o terrível dilema de Stechetti:
    “Io sonno um poeta o sonno um imbecile?”
   Alternativa, aliás, extensiva ao leitor de poesia…
   A verdade é que a minha atroz função não é resolver e sim propor enigmas, fazer o leitor pensar e não pensar por ele.
   E daí?
   – Mas o melhor – pondera-me, com a sua voz pausada, o meu Sancho Pança – , o melhor é repor depressa os óculos no nariz.
A vaca e o hipogrifo. © by Elena Quintana. São Paulo, Globo.

            Nesta pequena crônica, Mário Quintana reflete sobre suas atividades de escritor e de leitor. O tema do texto é colocado de maneira direta e,  aparentemente, até simplista: escrever e ler poesia não é uma grande perda de tempo? E, radicalizando, pergunta com Stechetti:  escrever e ler poesia não é uma imbecilidade?
             


Nenhum comentário:

Postar um comentário